quarta-feira, 24 de outubro de 2018

Aprendendo a morrer 1 Não é sobre morte, é sobre como viver sem medo dela.

Aprendendo a morrer em paz - 1


O Homem velho:
  1. O homem velho deixa a vida e morte para trás
    Cabeça a prumo, segue rumo e nunca, nunca mais
    O grande espelho que é o mundo ousaria refletir os seus sinais
    O homem velho é o rei dos animais
    ...
    A solidão agora é sólida, uma pedra ao sol
    As linhas do destino nas mãos a mão apagou
    Ele já tem a alma saturada de poesia, soul e rock'n'roll
    As coisas migram e ele serve de farol
    A carne, a arte arde, a tarde cai
    No abismo das esquinas
    A brisa leve traz o olor fulgaz
    Do sexo das meninas
    Luz fria, seus cabelos têm tristeza de néon
    Belezas, dores e alegrias passam sem um som
    Eu vejo o homem velho rindo numa curva do caminho de Hebron
    E ao seu olhar tudo que é cor muda de tom
    Os filhos, filmes, ditos, livros como um vendaval
    Espalham-no além da ilusão do seu ser pessoal
    Mas ele dói e brilha único, indivíduo, maravilha sem igual
    Já tem coragem de saber que é imortal
    Musica de Caetano Veloso
Primeiras conjecturas de como aprender a morrer

Título estranho certo? Por que aqui nos trópicos aprendemos a ter verdadeiro pavor a morte não só nossa como da dos outros. A morte prenuncia tristeza, saudades, falta, desaparecimento daquela pessoa a quem amamos ou pior...o nosso desaparecimento mesmo. Lidamos muito mal com o fato de desaparecermos da face da terra e irmos para um buraco frio ou para um crematório. Essas palavras são horríveis para nós, temos verdadeiro pavor delas. Criamos um enorme senso de morbidez quando nos referimos a morte porque tentamos ao máximo não pensar nela ou que todos nós, mais cedo ou mais tarde vamos encontra-la.

Porque deveríamos aprender a morrer quando muitos de nós nem sabe como viver direito?
Porque as pessoas que estão perto da morte aprendem a curtir e dar valor a pequenas coisas como o canto de um pássaro, uma manhã de sol ou a frescura de um copo d'água ou o cheiro da chuva? será que uma pergunta responde a outra? Não exatamente, mas a segunda leva a pensar sobre a primeira. Quando estamos com boa saúde reclamamos o tempo todo de coisas que nos acontecem em consequência de nossas próprias escolhas. Quando estamos a beira da morte porém, escolhemos viver cada momento como se fosse o ultimo, pois sabemos que não haverão muita oportunidades mais de escolha. Vivemos intensamente, vemos detalhes de coisas que nunca tínhamos percebido como um vaso de casa, posto por um cônjuge,  pelo qual passávamos e nunca havíamos notado sua existência. Olhar com agudez e profundidade para a vida é o que infelizmente só fazemos em face da morte. 

Vemos filmes em que a morte das pessoas se torna uma banalidade. Mata-se nesses filmes impunemente e quando há consequências, lá vai outra morte(a do matador) ou a prisão para quem mata, que no fundo é um tipo de morte ou inferno em vida. A banalização da morte é um outro extremo do assunto. Ela ocorre nas camadas mais pobres da sociedade onde matar por um tênis, um celular ou um pedaço de pão é coisa que a consciência das pessoas, segundo o que elas aprenderam, permite e não acha errado.
Um outro extremo ainda, é aquele em que a morte é um fenômeno natural e de pouca importância sentimental. Ninguém no Tibete ou ao menos pouquíssimas pessoas se descabelariam ao ter a noticia de que tem um câncer terminal. Há toda uma cultura que já preparou as pessoas a vida inteira para a morte de uma forma tranquila e sem grandes desalentos ou alarmes. Ainda assim, creio que nesses países onde a morte é menos chorada as pessoas devem sentir a falta de seus familiares mais próximos e podem até chorar porque morreram. Mas a própria pessoa que sabe que sua hora está chegando não se desespera e se revolta contra deus ou contra os outros porque sabe que vai morrer. Simplesmente a pessoa aceita numa boa que é uma passagem e pronto, tudo vai ficar bem. Por falar em Tibete, onde a religião impera,  a religiosidade ou espiritualidade de cada um é algo também a ser muito trabalhado aqui pelos trópicos. Aqui, ou você nasceu em uma família católica ou evangélica e pende ao fanatismo religioso, ou você é ateu até que provem o contrário. Eu, por exemplo, nasci em uma família cristã, fui um verdadeiro fanático dos 4 aos 19 anos. Quando me dei conta de que tudo o que a igreja pregava podia ser uma bela mentira e de que não havia respostas coerentes para muito do que eu perguntava, sai da igreja para nunca mais voltar. Coloquei o assunto no prego por anos a fio e com uns 45 comecei a voltar a pensar no assunto. Não por doença nem por outro motivo de força maior, mas por curiosidade. 

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